sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Sonho

Laura acordara assustada, atordoada.
Acho que sabe do que estou falando, quando a gente acorda, mas ainda está vivendo o sonho da madrugada, quando a realidade de manhã ainda não tomou a sua mente. E contar um sonho tão real assim por e-mail, para Laura, era fazer pouco caso da beleza que viu. Mas a distância era empecilho, então desabafou alí mesmo, na sua mesa fria, sozinha, falando ao monitor. Como um monólogo sem platéia, como um louco que fala sozinho.

Não sei não,

Acho meio estranho contar um sonho por e-mail, mas, como não sei se vou te ver hoje e como preciso desabafar, tento descrevê-lo o melhor possível por aqui mesmo.
"Morávamos numa casinha, pequena, aconchegante e linda... Lá fora, era como se fosse uma vila, uma colônia, porque, colada a nossa casa, havia outras tantas casas iguais às nossas, mas nada de tumulto, apenas uma rua com casinhas iguais.
Era uma manhã de sol, como uma segunda-feira, estava me arrumando para trabalhar e você tomava banho. Como estava sol, coloquei sandálias, mas não queria pô-las, tipo, parecia obrigada colocar sandálias e sair. Quando saí me assustei, era tudo muuuito lindo lá fora, o céu super azul, totalmente sem nuvens e havia uma colina, daquela colina me lembro perfeitamente porque, ela me causou grande medo. Não sei se era por causa do verde pálido do mato que crescia, ou porque me senti miúda perto dela, à minha direita ela era baixa, e gradualmente crescia e crescia, até o pico à direita, que foi pra onde olhei. Quis ir até lá, mas tive medo, muito medo. A essa hora você já havia saído do banho e ia trabalhar, mas, parou pra me ver, pois estava prostrada, não conseguia dar um passo por causa da vertigem. Você pegou na minha mão e tentamos caminhar até lá, mas, eu não conseguia por causa também das sandálias que eram altas demais e começou a me machucar e por causa da tontura da vertigem. Até que resolvi trocar a sandália por um tênis e caminhamos até a colina. Não me lembro de ter chegado até o topo, apenas que depois daquela imagem de nós andando pra colina, veio do nada, a imagem de uma TV, onde passava um programa tipo: National Geographic, que falava de catástrofes naturais, um vulcão em erupção, montes com tempestades de areia e buracos surgindo da terra.
Fiquei completamente atordoada e desliguei a TV. Fui fazer um chá e passei por você, você estava no notebook, montando alguma coisa, talvez do teu trabalho.
Voltei com duas canecas de chá, fazia frio, coloquei uma sobre a sua mesa e outra pra mim e sentei no sofá. Você continuava quieto, bebendo o chá e concentrado. Eu fiquei olhando pra você trabalhando... Pensei, talvez até tenha dito no sonho: Como lá fora pode estar tudo tão feio? Tantos desastres? Que mundo estamos? Esse não é o mundo que pensei viver...

E você ainda trabalhando...

Até que meu chá acabou, fui para a cozinha, quando passei por você, você pegou minha mão e disse: é porque aqui ficou toda a felicidade do mundo.
E eu me emocionei e disse: Mas eu queria que as pessoas estivessem felizes conosco.
E nos abraçamos, você disse no meu ouvido que me amava e eu disse também.
Você voltou a trabalhar e eu fui levar a caneca na cozinha, quando voltei sentei no sofá, olhei pra você... Olhei... Fui até você e cheguei bem perto do seu rosto e olhei pra tela, perguntei: o que você está fazendo? E você disse alguma coisa do seu trabalho que eu não dei a mínima, era apenas uma desculpa pra chegar perto de você e comecei a sussurrar no seu ouvido, você disse: Preciso trabalhar, isso é pra semana que vem.
E eu disse: Hoje você faz qualquer coisa, tudo o que você quiser! Menos trabalhar.

Daí apagaram-se as luzes...”


Conto de livro lido em 2005.
(não lembro o nome.)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Viver menino, morrer poeta.

Ó, pai. Não deixes que façam de mim o que da pedra tu fizestes.
E que a fria luz da razão não cale o azul da aura que me vestes.
Dá-me leveza nas mãos, faze de mim um nobre domador laçando acordes e versos dispersos do tempo pro templo do amor.
E se eu tiver que ficar nu, hei de envolver-me em pura poesia e dela farei minha casa,
minha asa, loucura de cada dia...
Dá-me o silêncio da noite para ovir o sapo namorando a lua.
Dá-me direito ao açoite, ao ócio, ao cio, à vadiagem pela rua.
Deixa-me perder a hora pra ter tempo de encontrar a rima, ver o mundo de dentro pra fora e a beleza que aflora de baixo pra cima.
Ó, meu pai. Dai-me o direito de dizer coisas sem sentido.
De não ter que ser perfeito, pretérito, sujeito, artigo definido.
De me apaixonar todo dia e ser mais jovem que meu filho,
de ir aprendendo com ele a magia de nunca perder o brilho.
Virar os dados do destino, de me contradizer, de não ter meta, me reinventar, ser meu próprio Deus.

Viver menino, morrer poeta.

Vander Lee - Alma Nua